O domingo (5) marca um ano
desde que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou o fim da Emergência de Saúde Pública
de Importância Internacional para a covid-19. O estado é
considerado o mais alto nível de alerta sanitário global e havia sido adotado
em janeiro de 2020.
Os
meses seguintes ao posicionamento foram acompanhados pela desmobilização da
sociedade gaúcha frente à pandemia, dizem especialistas. A situação preocupa,
pois, segundo eles, desestimula diagnósticos, vacinação e o monitoramento de
pacientes com covid longa. A OMS,
porém, ainda trata o cenário global como uma pandemia, situação que foi
declarada em março de 2020.
Segundo
o Ministério da Saúde (MS), o Brasil registrou 711,7 mil
mortes – o segundo país com mais registros – e 37,4
milhões casos confirmados. No mundo houve 7 milhões
de óbitos e 775,3 milhões de diagnósticos.
Até esta quinta-feira (2), o Rio Grande do Sul contabilizou 42,9 mil mortes por covid-19
e 3,1 milhões de registros positivos, segundo dados do painel da Secretaria
Estadual da Saúde (SES).
O
Estado teve queda de 53,2% no número de mortes por conta da doença nos quatro
primeiros meses do ano, na comparação com o mesmo período do ano passado: de
562 para 263 óbitos.
Se no
início da pandemia, em 2020, todas as faixas etárias eram prejudicadas pela
doença, em abril de 2024, os afetados pelo vírus são grupos conhecidos dos
profissionais da saúde:
— O
perfil de hoje é de "extremos" de idade: crianças menores de cinco anos
e adultos acima de 60. Além delas, as pessoas com um sistema imunológico
debilitado são as mais presentes dentro dos hospitais — resume Paulo Ernesto Gewehr Filho,
infectologista do Hospital Moinhos de Vento e diretor científico da Sociedade
Gaúcha de Infectologia (SGI).
O
especialista afirma que os dados sobre mortes devem ser analisados com cautela,
pois podem não representar a totalidade do casos: não há, no momento, um
atenção com a testagem parecida aos momentos mais críticos da pandemia, como em
2020 e 2021. Ainda que a subnotificação ocorra, é fato que o vírus tem causados menos casos graves e mortes
no Estado:
— As
pessoas têm uma proteção importante por conta das vacinas prévias que elas
receberam e também das infecções, que acabam, de certa forma, capacitando o
sistema imunológico por alguma proteção — resume.
Na avaliação do infectologista, há desmobilização das
estruturas relacionadas à doença no Estado. Um exemplo é a covid longa,
condição que ocorre quando alguns sintomas persistem por mais de quatro semanas
após a infecção. Em março, quatro anos após o início da pandemia, Porto Alegre não contava mais com ambulatórios e salas
apenas para atender pacientes com sequelas da covid-19.
Hospitais alegaram que a estrutura não é necessária, pois há menos pacientes
que precisam do serviço.
— Há
muitas pessoas com dificuldades cognitivas, perda de olfato, fadiga leve,
devido à covid-19. Por testarmos menos, essas pessoas vão ficar sem um
diagnóstico etiológico, sem uma associação de causa e efeito com a covid-19 —
pondera o infectologista.
Situação
parecida ocorre com a cobertura vacinal, na avaliação dele, mas com a diferença
de que menos imunizados pode significar risco a grupos suscetíveis à doença. A
reportagem identificou falta de teste rápidos em março e escassez de imunizantes no Estado em
abril.
— A percepção de risco da doença diminuiu muito,
pois ela não está impactando todas as faixas etárias de indivíduos saudáveis,
como no início da pandemia. Por isso, as pessoas relaxaram quanto às medidas de
prevenção, isolamento e autoteste. Mas a covid seguirá potencialmente
prejudicial para alguns grupos no futuro — pontua o médio do Moinhos de Vento.
Fim da pandemia?
Segundo
a OMS, a denominação de pandemia –
assim como epidemia, surto e endemia – são
conceitos que representam "uma avaliação técnica do padrão de
comportamento epidemiológico e variam
conforme o cenário de transmissão de uma doença, o quanto se sabe sobre ela e
as ferramentas disponíveis no momento para evitá-la ou combatê-la".
Para a
OMS, uma pandemia ocorre quando uma doença que "afeta muitas pessoas,
ultrapassa fronteiras de países e se propaga para mais de uma região do
mundo". GZH questionou
o escritório da organização no Brasil se a entidade mundial deixará de definir
o cenário global como uma pandemia, mas não recebeu resposta até a publicação
desta reportagem.
— Há
bastante tempo vivemos uma nítida transição do período pandêmico para a fase de
endemização. O que se debate é prover melhor suporte aos países que ainda têm
déficits relevantes na vacinação. Podemos até não nos referirmos (ao cenário) como pandemia, mas, pelo impacto que
a doença pode ter, é uma situação que deve ser monitorada com cuidado,
diagnóstico e vacinas — afirma Fernando
Spilki, virologista e professor da Universidade Feevale.
O
estudioso cita também que pode haver aumento de casos devido a aglomerações no
verão – Natal, Ano-Novo e Carnaval – e em períodos mais frios do ano, de outono
e inverno, nos quais aumenta a circulação de vírus respiratórios e as pessoas
tendem a ficar em ambientes menos ventilados. O arrefecimento da doença não
impede que possa haver surtos no futuro, por conta da disseminação de novas
variantes.
—
Reportamos, em estudos, que o crescimento no número de novos casos (no RS) no final de 2023 e em fevereiro
correspondeu à entrada da variante JN.1 e uma sublinhagem do grupo da linhagem
GK. Do ponto de vista do que acompanhamos, a doença veio para ficar, mas em
magnitude felizmente abaixo do histórico dos dois primeiros anos (2020 e 2021) — pontua Spilki.
O que o Estado diz
Tani Ranieri,
coordenadora do Centro Estadual de Vigilância em Saúde do Estado (Cevs), diz
não concordar que exista uma desmobilização relacionada à covid-19 no RS.
— Há
uma competitividade entre os vírus. Um mês atrás, houve uma incidência maior da
circulação do Sars-Cov-2 (da covid-19) do
que do influenza. Hoje o cenário é o contrário, mas pode mudar com a chegada do
inverno. A medida de controle mais
segura e eficaz é a vacinação, que nós temos para os dois vírus —
pontua.
Tani
pontua, porém, que o Estado
está sem estoque de imunizantes contra a covid-19 no momento,
pois todas as doses foram distribuídas aos municípios e não foram enviadas pelo
Ministério da Saúde (MS). Segundo ela, a expectativa é de que o RS receba um lote
na próxima semana, mas não há, no momento, uma estimativa da quantidade.
— É
uma vacina atualizada que substituirá a bivalente que
tínhamos até o final do ano passado. Ela será para os grupos mais vulneráveis.
Não vamos ter nenhuma campanha (de vacinação contra a
covid). A covid já
é uma doença endêmica, que está no nosso meio e vai acometer
pessoas ao longo de todos os meses do ano — acrescenta.